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Para que as micro e pequenas empresas usam seus computadores
Conheça o resultado de uma interessante viagem ao mundo de alguns dos problemas de gestão das pequenas e médias empresas.
Esses dias estava trocando figurinhas com meu colega Evandro Barros. Falávamos que o business intelligence (BI) ou inteligência empresarial deveria ser acessível a empresas de qualquer tamanho.
O BI consiste em reunir e organizar dados e informações dos sistemas de informação da empresa para ajudar o empreendedor a tomar decisões estratégicas inteligentes, o que acaba resultando em importante diferencial competitivo. O problema é que as soluções de BI costumam ser muito caras e, portanto, inacessíveis às micro e pequenas empresas (MPE).
E, considerando que as MPE representam 99% dos estabelecimentos do Brasil, respondem por 51,6% dos empregos formais e contribuem com 27% do PIB, dá pra se ter uma ideia da fatia da economia não atendida pelos recursos de BI.
Saindo do prédio
Mas será que as MPE veem a falta de BI como uma dor? Essa dúvida fez surgir a ideia de validar o problema e, ao estilo de Steve Blank, saí do prédio para conversar com micro e pequenos empreendedores. Como o BI depende diretamente da estrutura de TI e dos dados disponíveis nas empresas, minha missão foi a de, primeiramente, levantar quais desses recursos existiam nas MPE.
Procurei por empresas inscritas no Simples em duas cidades do interior paulista. Falei com empreendedores novos e experientes dos setores de comércio e serviços que tinham entre zero a mais de 20 funcionários cada e variados tempos de atividade: visitei desde uma empresa com 2 meses de existência a algumas com mais de 35 anos de estrada.
Do comércio, visitei negócios de armarinhos, bicicletas, churrasqueiras, ferragens, informática, padaria, papelaria, pneus, venda e recarga de cartuchos, restaurantes japonês e por quilo, veículos e ventiladores. De serviços, falei com empreendedores de academia de ginástica, alinhamento e balanceamento, aluguel de roupas, bicicletaria, manutenção de computadores e oficina mecânica. Conversei com mais de uma empresa de alguns segmentos, totalizando 23 estabelecimentos.
O que vi nessas empresas me surpreendeu.
Todas as que visitei possuem pelo menos um PC ou notebook em funcionamento. Quase todas têm sistemas administrativos como o ERP (Enterprise Resource Planning) de “prateleira”: algumas empresas têm dois ou três módulos dele, enquanto outras possuem sistemas integrados completos.
E para que as empresas usam os sistemas? Fundamentalmente para emitir nota fiscal, consultar de preços de produtos e gerar orçamentos e “penduras”.
Fechado para balanço
Uma mínima parcela dos empreendedores com quem conversei utiliza o sistema para controle de estoque, mas nenhum deles confia totalmente na precisão dos dados, que, quando conferidos, quase nunca batem com o estoque físico.
A propósito, o período mais temido do ano para os funcionários de algumas das lojas visitadas são os dias de “fechamento para balanço”: baixam-se as portas do comércio e todos se põem a contar cada unidade das miudezas do estoque. Esses números, confrontados com o sistema, mostram o tamanho do furo.
Se nem dados básicos do estoque são monitorados, informações como giro e curva ABCsimplesmente não existem, apesar da gestão de estoque ser capaz de representar tanto o sucesso quanto a ruína de muitos negócios. Além disso, boa parte das perdas e fraudes na empresa ocorre justamente no estoque.
Planilhas, cadernos e pastinhas
Os módulos financeiros dos sistemas também são subutilizados. Em pelo menos três empresas visitadas, apesar dos softwares contarem com controle financeiro, as contas a pagar e receber são monitoradas em planilhas de Excel. Numa das empresas o controle é feito numa pasta sanfonada de 31 divisões. Cadernos para anotação de preços, compras, recebíveis, contas a pagar e fiado também são comuns. Passam longe do controle do empreendedor informações como margem de contribuição, ciclo operacional ou necessidade de capital de giro.
Dois dos empreendedores com quem conversei, ao serem questionados sobre como faziam paraformar seu preço de venda, me disseram que não são eles que formam o preço: é o mercado que o faz.
Quem compra?
Algumas empresas têm até módulos de Customer Relationship Management (CRM) integrados em seus sistemas, mas nenhuma das MPE visitadas faz ações de relacionamento ativo com o consumidor. Não há informações sobre quem são os clientes, o que compram, quando compram e por que deixam de comprar.
Os sistemas raramente são utilizados pelos empreendedores para a tomada de decisões, à exceção de duas empresas que usam tais dados para comprar itens que caem abaixo da quantidade mínima do estoque, mas somente depois de conferir tal informação com o estoque físico.
Faltam mãos
Minha pergunta ao final de cada entrevista era “por que?”. Afinal, com tanta funcionalidade disponível no sistema, por que os empreendedores não aproveitavam melhor tais recursos? As respostas mais comuns foram: porque dá trabalho ou falta tempo; porque falta gente pra fazer; porque não acham que os sistemas sejam úteis.
O fato é que quase todas as empresas visitadas eram geridas por famílias (casais, pais e filhos e irmãos), gestores sem conhecimento técnico mas com experiência prática adquirida por tentativa e erro e, em alguns casos, herdada da geração anterior.
Na realidade, esses micro e pequenos empreendedores cobram o escanteio e correm pra cabecear, eles fazem de tudo um pouco no negócio, do operacional ao estratégico, pra não deixarem a peteca cair. O trabalho é muito, as mãos são poucas e, de fato, as ações que garantem a sobrevivência do negócio não deixam tempo para que os sistemas de informática recebam mais atenção.
O que era para ser a validação de uma dor sobre business intelligence acabou se tornando num mergulho pelo graves problemas de gestão enfrentados diariamente por aqueles que sustentam nossa economia.
Um ótimo aprendizado sobre as necessidades e oportunidades desse carente mercado e bastante informação para reflexão.
Fonte: www.administradores.com.br